sexta-feira, 21 de maio de 2010

A simbologia em "A cartomante"




A narrativa de “A cartomante” (conto de Machado de Assis) descreve as situações por que passam as personagens envolvidas em um triângulo amoroso. Na história, Camilo e Vilela são amigos de infância. A vida os afasta durante um tempo. Após alguns anos Camilo faz uma visita a Vilela e conhece Rita, esposa do amigo. Os dois se apaixonam. Certo dia, chega às mãos de Camilo, uma carta, cujo conteúdo revela que sua aventura ao lado de Rita é conhecida por todos. Para desviar as suspeitas, ele resolve rarear suas visitas à casa de Vilela.
Esse distanciamento repentino do amante leva Rita a procurar uma cartomante. A vidente a tranquiliza, afirma que ele jamais a esquecerá. Ao saber disso, Camilo desdenha da credulidade da moça. Um dia, enquanto trabalha, Camilo recebe um bilhete do próprio Vilela, pedindo que vá ao seu encontro sem demora. Receoso quanto ao motivo daquele repentino chamado, Camilo, a caminho da casa do amigo, consulta a mesma cartomante. A vidente diz que nada acontecerá aos dois, pois o terceiro de nada desconfia. Confiante, Camilo retoma seu caminho. Quando chega à casa do amigo, vê Rita, morta sobre o canapé, leva dois tiros e cai morto no chão.

Ao utilizar-se da célebre frase de Hamlet “há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”, o narrador de “A cartomante” nos convida a adentrar no universo enigmático do conto. Apropriando-se de uma linguagem simbólica, rica de polissemias, ele conduz a narração, acrescentando aos acontecimentos materiais, outros tantos de ordem psicológica e emocional. A utilização da frase de Hamlet no início da obra não se dá por acaso. Ela aponta para caminhos que possibilitam a existência do inexplicável, atua na narrativa como um símbolo do mistério.



O que observamos para concluir que há na narrativa uma simbologia do mistério, foi a utilização de elementos como a crença, a descrença, a visita à cartomante, a negação de Camilo, que mais parece uma fuga do desconhecido, bem como o argumento de Hamlet, que já funciona no discurso coletivo como símbolo para tudo aquilo que foge ao nosso conhecimento. A este conjunto simbólico pode ser acrescentado o fato de que a conversa entre Rita e Camilo no início do conto se dá em uma sexta-feira. O pensamento ocidental, influenciado pelos dogmas do cristianismo, atribui a este dia da semana um caráter bastante místico. O primeiro motivo se refere à morte de Cristo, que ocorreu em uma sexta-feira. O segundo está ligado à simbologia que permeia o número 6. Por ser o produto de duas atividades ternárias, este algarismo carrega em si inclinações para o bem e para o mal, podendo assim estabelecer relações com o divino e a harmonia, ou com o caos e a revolta. Outro significado para o número 6 aparece no livro Apocalipse. Nesta abordagem o número está diretamente relacionado ao pecado.
Um elemento bastante importante para a leitura simbólica do texto é a carta anônima. Ela traz em si uma natureza intrigante e ameaçadora. Sem procedência declarada, ela adquire um caráter assustador. Camilo se afasta cada vez mais, Rita se enche de dúvidas quanto ao amor dele, por este motivo procura uma cartomante.
De um lado está Rita, fragilizada, vulnerável, buscando alívio e respostas para suas dúvidas; do outro está a vidente, munida de todo mistério que permeia o seu ofício. Um encontro conveniente para ambas. A
cartomante, com as palavras “certas”, restabelece a tranquilidade de Rita. De fato, em sua predição, a mulher não erra: Camilo não deixará de amá-la, nem mesmo a deixará. Aqui, não importa saber se a vidente tem poderes ou não para prever o futuro; o que nos interessa é observar como essas simbologias atuam na narrativa e nas personagens.

O ponto mais alto da simbologia da fragilidade ocorre quando Camilo recebe o bilhete escrito pelo próprio Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora". São simples palavras, mas que podem simbolizar algo terrível.
A esta altura da narrativa não encontramos mais em Camilo os traços que marcavam sua personalidade no início do conto. Ele passa pela casa da cartomante e resolve entrar. Camilo sobe a escadaria em busca de conhecimento. A cartomante extrai as informações das cartas. Tudo depende da sua interpretação. Para Chevalier e Gheerbrant, a leitura de cartas, como o tarô, não se submete inteiramente a nenhuma tentativa de sistematização: há sempre algo que escapa. As combinações são incontáveis, bem como sua interpretação, que exige uma educação da imaginação que só se obtém com muita prática.

Camilo, herói do conto, fragilizado, busca ajuda no desconhecido, precisa de respostas. Assim como ocorre em várias narrativas, o herói do conto obtém respostas satisfatórias em sua visita ao mundo imaterial. Assim já ocorrera a personagens como Ulisses e Enéas. Mas, ao contrário do que ocorre a estes, aqui, há que se destacar a ironia da narrativa, uma vez que as revelações da vidente não condizem com o que está por vir. Reforçando tal ironia, Camilo agradece à cartomante pela tranquilidade restabelecida.



A narrativa sinaliza muito bem a simbologia da morte.; o que nos leva, por um lado, a admitir que provavelmente a cartomante saiba do triste destino que aguarda por Camilo e Rita. Comecemos pela escadaria. Segundo sua simbologia, ela possui um aspecto negativo atribuído à sua descida. Pode significar a queda ao mundo subterrâneo. A vidente alerta-o de que tenha cuidado, pois a escada é escura.

Outro fator bastante curioso é que ao despedir-se dele, a cartomante sobe a escadaria cantando uma barcarola; ou seja, como se estivesse predizendo para Camilo uma viagem a barco, provavelmente no barco de Caronte (o barqueiro dos infernos).

Segundo Chevalier e Gheerbrant:

“A barca é o símbolo da viagem, de uma travessia realizada seja pelos vivos, seja pelos mortos.] (...) [a barca dos mortos desperta uma consciência do erro, assim como o naufrágio sugere a idéia de um castigo”. (DS, p. 121, 122)

A personagem em seu momento de fragilidade recorre aos serviços da cartomante. Acredita em suas palavras. A crença aqui foi usada como uma tábua de salvação. Precisa agarrar-se a algo. E agora ele segue tranquilo, sossegado, em direção à própria morte.

Por fim, o narrador descreve a passagem de Camilo pelo Bairro da Glória, onde consegue enxergar, olhando para o horizonte, o ponto em que céu e mar se tocam. Podemos entender simbolicamente que trata-se da glória divina, e, sabemos que só os que morrem podem alcançar tal graça. Segundo os dogmas judaico-cristãos, é somente retornando ao criador, que os seres humanos enxergam a verdadeira glória; e Camilo está mais próximo dela do que pode imaginar.


Danielle Grisi
André Agra
Ricardo Fabião

3 comentários:

  1. Amigos Dani, Agra e Fabião:

    Gostei muito do texto.

    O "mistério", assim como a "morte", é tema fascinante. "Mistério", aliás, muito bem celebrado nos versos do nosso querido Ricardo. A "morte", por sua vez, encaramos todos os dias, no nosso eterno "renascimento", afinal, quando vamos dormir não somos mais o mesmo que acordou (rs).

    Como primeiro fã do blog sugiro um próximo texto, sobre as personagens do "Crime do Padre Amaro". Pode ser?

    Frat.

    Hugo

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  2. Mãe, gostei do texto; parabés, porque seu blog apareceu no Google. Feliz aniversário PAC-MAN!! Foi mal, mãe, me distraí, muitas felicidades.

    Bjos

    Seu filha explêndida,chique,sabe-tudo,inteligente...
    Maria Victória G. P. F. de A.

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"Eu sou a primeira e a última.
Eu sou a que é honrada
e a de quem se zomba.
Sou a prostituta e a santa.
Sou a esposa e a virgem.
Sou a noiva e o noivo.
E foi meu marido quem me gerou.
Sou o conhecimento e a ignorância.
Sou tola e sábia...
Sou aquela a quem chamam Vida (Eva)
e vós chamastes Morte..."